quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Fisiologia da psique: como ouvir o coração


Na medicina oriental chinesa cada órgão do corpo tem uma função física, energética e psíquica. Nesta medicina, os órgãos não são simplesmente órgãos anatômicos, eles são simbólicos, metafóricos e estão relacionados a toda natureza e seus ciclos. Os órgãos e víceras também representam fases, sistemas e energias no corpo, o que inclui as emoções, os sons a voz, o cheiro, a direção, o alimento, o sabor, etc. Cada órgão é representado por um elemento da natureza e também uma estação do ano. O coração está relacionado ao elemento fogo, e enquanto elemento, gera o elemento terra. O coração é o órgão “principal”, ele governa todo sistema corporal e suas instâncias sutis. Ao ser o iniciador de todo o processo corporal, o coração seria aquele que “manda”. O fígado que é representado pelo elemento madeira, na medicina oriental é a madeira quem gera o fogo, portanto fogo, madeira e terra se relacionam diretamente, um produz ou é produzido pelo outro. Se o coração governa, o fígado é quem executa as “ordens”. O fígado é considerado o general dos outros órgãos e ele delega e distribui tarefas. O estômago, por sua vez, está relacionado ao elemento terra; sua principal função é o de receber e decompor os alimentos e, juntamente com o duodeno, comandar todas as funções digestivas transformadoras dos alimentos. O estômago controla o "amadurecimento e decomposição" dos alimentos. Este órgão necessita de tempo para elaborar sua química, ele pede um tempo para digerir. Cada órgão tem uma função nesta coletividade corporal, porém creio que exista modos próprio e singulares de nos relacionarmos com este complexo circuito de energias e emoções.

Ao relacionar a Medicina Oriental Chinesa com a Psicologia junguiana de James Hillman tive novas percepções sobre este processo. Para Hillman, o coração seria o local da alma, tomada como aquilo que nos movimenta (ânima), e também seria o órgão da imaginação. O fígado ao invés de somente general pode ser aquele órgão fiel ao coração e à imaginação do coração. O fígado sabe da pureza e importância do coração e quer presenteá-lo com sua obediência. Porém, o fígado também é órgão de ação e da raiva, e pode ser o primeiro órgão que confunde a imaginação do coração. O fígado pode se torna ansioso e agir como se o coração ordenasse... Sendo o coração-alma-imaginação-movimento, sua imaginação pode ser vista como um movimento que sugere, pois é o coração quem poderia ver as estruturas do caminhante e a poética do caminho, não suas literalidades. Sendo o fígado um fiel escudeiro, este quer correr, “executar para ontem”, por isso simplifica e reduz a beleza imaginativa do coração. Mas aí vem o estômago que pede o tempo da digestão, o estômago está em contato com os elementos concretos da natureza e da realidade; dá novos parâmetros às intensas literalizações do fígado. Sendo “pé no chão”, não se antecipa e precisa de rotina. Se o fígado não aprender com o estômago os dois podem adoecer, o fígado de raiva pela insolência do estômago e o estômago de estresse por conta da raiva e pressão do fígado. Neste momento ninguém mais ouve o coração, ficam discutindo antigos indícios imaginativos do coração e paralisam todo o sistema vivente. A discussão perde o valor da imaginação e se torna “autoritarismo”, ordens a serem cumpridas e obedecidas. Quem é completamente literal e fiel ao coração, precisa rever seus conceitos, o coração só precisa de espaço para imaginar e os outros órgãos têm funções e talentos específicos, eles devem aprender a executá-las com maturidade para que o sistema não se embaralhe e perca o seu sentido, o sentido do coração. Creio que precisamos aprender a dançar com os acordes do coração... Executar sim, literalizar, não. Caso contrário a doença e a morte chegam para todos, uma morte triste, pois não é a morte pela desobediência, a morte da renovação, ao contrário é a morte por obediência sem aprendizado e real parceria. O primeiro ensinamento que podemos ter seria aprender a cada dia a importância de ser singular e agir em parceria de modo calmo, ainda que intenso. Seguir imaginando, produzindo e re-significando cada passo.