sábado, 14 de fevereiro de 2009

Mulheres Trifásicas e Intensidades Latentes


Após a leitura do texto Radical, Chic e Choc, de Carolina Isabel Novaes, publicado no jornal O Globo, decidi desenvolver suas idéias. A autora escreve sobre um novo tipo de mulher dos modernos centros urbanos, que ela classifica de mulher trifásica. Esta inicialmente poderia ser comparada com um tipo de mulher bipolar, extremamente intensa nas suas características emocionais. Segundo a Psicologia, o transtorno bipolar obsessivo vem a ser uma perturbação afetiva. A pessoa diagnosticada de bipolar pode se sentir incrivelmente bem num momento como se não houvesse limites em sua enorme capacidade energética: muitas idéias, planos e conquistas. Mal encerra uma idéia, já têm muitas outras por dizer e executar. Em outros momentos esta mulher pode se aborrecer para valer, e depois esquecer de sua zanga com a mesma facilidade com que se aborreceu. Para a autora a mulher trifásica seria uma pessoa com características bipolar, porém ao invés de alternar os humores, ela teria três tipos de humores simultâneos. Poderíamos exemplificar esta energia intensa com cargas elétricas, esta mulher receberia e emitiria as três cargas elétricas incessantemente. Uma mulher trifásica de grande intensidade pessoal também pode ser compreendida como uma pessoa que tenha diferentes tipos filtros atuando simultaneamente e se interpondo entre esta intensidade emocional e o mundo.

Observando por um prisma da Psicologia Analítica Junguiana, estas emoções intensas poderiam ser relacionadas aos Complexos. Segundo Carl Gustav Jung, médico e fundador da Psicologia Analítica, os Complexos seriam um agrupamento de sentimentos, pensamentos, percepções e memórias de carga emocional acentuada. Para Jung os complexos não são negativos em si, ainda que, dependendo da pessoa e da situação vivida é possível que ocorra eventos bons ou ruins, agradáveis ou desegradáveis quando estes complexos são ativados. Quando um complexo irrompe na consciência, fortes emoções interferem no equilíbrio psíquico e perturba as costumeiras ações do sujeito. O fato de percebermos três tipos de humor ao mesmo tempo também poderia ser visto como diferentes complexos atuando simultaneamente. Desta forma quando a intensidade emocional desta mulher chega a um pico, algo ou alguém pode involuntariamente provocar um transbordamento da mesma.

Segundo Carolina Isabel Novaes, certos fatores podem transformar este tipo de mulher em uma “mulher-bomba”. No livro de Luciana Pessanha, Como montar uma mulher bomba, a autora afirma que só há uma mulher-bomba se houver um homem detonador. Pergunto-me se os modos desta mulher se relacionar consigo mesma também poderiam ser fatores de montagem desta “bomba humana”. Por que sempre culpar os homens ou um único fator por uma mulher se considerada uma “mulher-bomba”? Será que uma mulher propensa a explodir não tem escolha? Será verdade que alguns homens podem se transformar em elementos da montagem? Acredito em formas mais saudáveis de se refletir sobre os aspectos trifásicos deste tipo de mulher atual. Quando uma mulher se percebe com este tipo de perfil, seria interessante usar estas características a seu favor. Para que isso ocorra, deve-se desenvolver estratégias para transformar esta intensidade emocional em ações criativas. Este é um caminho possível para mulheres com este perfil. No texto Radical, Chic e Choc, Carolina Isabel Novaes comenta que a mulher trifásica, pode ser simultaneamente uma mulher madura, aventureira e romântica. Podemos imaginar ainda outras características de temperamento coexistindo na mulher trifásica: caótica, determinada, irritada, suave, etc.

Não consideramos uma mulher trifásica portadora do transtorno bipolar obsessivo, mesmo que uma mulher, com este perfil, possa ter dificuldade de lidar consigo mesma. A Arteterapia, como método terapêutico, pode ser um coadjuvante neste processo de elaboração pessoal. Este tipo de abordagem inclui uma grande variedade de técnicas que possibilitam ativar o corpo e a expressividade individual. A Arteterapia propicia a ativação de processos imaginativos que mobilizem a capacidade de auto-regulação da psique, estas vivências tendem a equilibrar o paciente e estimular sua criatividade.

Ter uma alta intensidade emocional muitas vezes exige atenção e reflexão da pessoa para consigo mesma, caso ela queira transforma esta energia em algo produtivo. Também é importante que esta mulher possa desenvolver modos mais genuínos para fazer suas escolhas. Um caminho possível para mulheres com este perfil é transformar esta intensidade emocional em ações criativas: dançar, fazer caminhadas, ouvir música, etc. Não há receitas prontas; cada pessoa é capaz de descobrir aquilo que precisa para escoar esta energia intensa. Somos capazes de produzir novos significados adquirindo modos próprios e criativos de estar no mundo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A DAMA ABOMINÁVEL

Este texto se propõe a fazer reflexões sobre uma pequena histora. O conteúdo dela foi-me enviado por e-mail em formato pps intitulado “Interpretando as Mulheres”. Os personagens da História me fizeram lembrar contos do Rei Arthur, porém havia detalhes que me causaram dúvidas. O objetivo deste conto parecia dizer que os homens devem tratar bem as mulheres, pois estas são bruxas e se transformas em mulheres belas conforme forem tratadas pelo homem (namorado, marido etc). Qual a mulher que quer ser maltratada? Parecia uma mensagem óbvia, porém me deixou muito irritada e com mil questionamentos. Será que este tipo de mensagem em pps circula pela internete com o objetivo de agradar as mulheres? Será que pelo fato de parecerem “compreendidas” pelos “homens” as mulheres – que são presenteadas com esta mensagem – se sentem olhadas? Será que “parecer” ser compreendida satisfaz? É a aparência que satisfaz? Será que a maioria das mulheres e homens querem receitinhas de bolo e fazem qualquer negócio por enquadramentos simplificados?


Pesquisei sobre o enredo da história e descobri na internete um site com a mesma história que o conteúdo do pps, porém intitulada de “A Escolha do Rei Arthur”. Posteriormente achei outra versão mais abrangente, cujo título é Sir Gawain e a Dama Abominável. Há grandes semelhanças nas versões, no sentido de que todas continham o mesmo e grande desafio de Arthur: descobrir o que as mulheres querem. Sei da minha facilidade de irritação, sei que projetamos conteúdos psíquicos nas histórias e sentimos o retorno disso ressoando em nossa emoção, são efeitos da própria psique e seu complexos, porém também são efeitos da relação com o mundo, como eu reajo ou ajo com o que se passa e acontece fora de mim e dentro. Resolvi olhar mais atentamente ao que me causou incômodo escrevendo este texto. Busco aqui perceber quais dores aparecem em mim e na coletividade a partir de versões de uma história.


As vezes penso que sou meio exagerada, que não devia dar importância a bobagens, por outro lado é divertido reagir escrevendo, pois dou valor ao que sinto e me exercito de alguma forma agindo sobre aquilo que me incomoda. Escrevi até destilar toda minha indignação e aos poucos fui descobrindo novas abordagens e reflexões. Impressionei-me com o rumo que o meu texto tomou, aos poucos ele estava me assombrando. Escrevendo descobri e revi onde está o meu foco e como vejo o mundo. O pps inicial – aquele que me irritou – parecia incompleto e abarrotado ao mesmo tempo. Incluíram na história uma moral ao final. Rogo que Arthur não se irrite dentro do seu mundo arquetípico – se é que ele não se irritou em mim – com tal blasfêmia. A versão mais antiga é uma balada em inglês do século XV, linda! Quando comparei os textos pude perceber que foram retirados itens que danificam o entendimento mais profundo dele.


Segue o conto simplificado como me foi enviado e após o texto sigo escrevendo minha impressão sobre o tema:


A escolha do Rei Arthur

“O jovem Rei Arthur foi surpreendido pelo monarca do reino vizinho enquanto caçava furtivamente num bosque. O Rei poderia tê-lo matado no ato, pois era o castigo para quem violasse as leis da propriedade, contudo se comoveu ante a juventude e a simpatia de Arthur e lhe ofereceu a liberdade, desde que no prazo de um ano trouxesse a resposta a uma pergunta difícil. A pergunta era: O que querem as mulheres? Semelhante pergunta deixaria perplexo até o mais sábio, e ao jovem Arthur lhe pareceu impossível de respondê-la. Contudo aquilo era melhor do que a morte, de modo que regressou a seu reino e começou a interrogar as pessoas: a princesa, a rainha, as prostitutas, os monges, os sábios, o bobo da corte, em suma, a todos e ninguém soube dar uma resposta convincente. Porém todos o aconselharam a consultar a velha bruxa, porque somente ela saberia a resposta. O preço seria alto, já que a velha bruxa era famosa em todo o reino pelo exorbitante preço cobrado pelos seus serviços. Chegou o último dia do ano acordado e Arthur não teve mais remédio senão recorrer a feiticeira. Ela aceitou dar-lhe uma resposta satisfatória, com uma condição: primeiro aceitaria o preço. Ela queria casar-se com Gawain, o cavaleiro mais nobre da mesa redonda e o mais intimo amigo do Rei Arthur! O jovem Arthur a olhou horrorizado: era feíssima, tinha um só dente, desprendia um fedor que causava náuseas até a um cachorro, fazia ruídos obscenos... nunca havia topado com uma criatura tão repugnante. Acovardou-se diante da perspectiva de pedir a um amigo de toda a sua vida para assumir essa carga terrível. Não obstante, ao inteirar-se do pacto proposto, Gawain afirmou que não era um sacrifício excessivo em troca da vida de seu melhor amigo e a preservação da Mesa Redonda. Anunciadas as bodas, a velha bruxa, com sua sabedoria infernal, disse: O que realmente as mulheres querem é Serem Soberanas de suas próprias vidas!! Todos souberam no mesmo instante que a feiticeira havia dito uma grande verdade e que o jovem Rei Arthur estaria salvo. Assim foi, ao ouvir a resposta, o monarca vizinho lhe devolveu a liberdade. Porém que bodas tristes foram aquelas... toda a corte assistiu e ninguém sentiu mais desgarrado entre o alívio e a angústia, que o próprio Arthur.

Gawain, entretanto, se mostrou cortês, gentil e respeitoso. A velha bruxa usou de seus piores hábitos, comeu sem usar talheres, emitiu ruídos e um mau cheiro espantoso. Chegou a noite de núpcias.

Quando Gawain, já preparado para ir para a cama aguardava sua esposa, ... ela apareceu como a mais linda e charmosa mulher que um homem poderia imaginar! ... Gawain ficou estupefato e lhe perguntou o que havia acontecido.

A jovem lhe respondeu com um sorriso doce, que como havia sido cortês com ela, a metade do tempo se apresentaria com aspecto horrível e a outra metade com aspecto de uma linda donzela. Então ela lhe perguntou:

- Qual ele preferiria para o dia e qual para a noite? Que pergunta cruel... Gawain se apressou em fazer cálculos...

Poderia ter uma jovem adorável durante o dia para exibir a seus amigos e a noite na privacidade de seu quarto uma bruxa espantosa ou, quem sabe, ter de dia uma bruxa e uma jovem linda nos momentos íntimos de sua vida conjugal.

Vocês o que teriam preferido? ... o que teriam escolhido? A escolha que fez Gawain está mais abaixo, porém, antes tome sua decisão. É MUITO IMPORTANTE QUE SEJAM SINCEROS COM VOCÊS MESMOS.

O nobre Gawain respondeu que a deixaria escolher por si mesma. Ao ouvir a resposta ela anunciou que seria uma linda jovem de dia e de noite, porque ele a havia respeitado e permitido ser dona de sua vida...

Moral da história:

Não importa se a mulher é bonita ou feia, no fundo, é sempre uma bruxa... Ela se transformará de acordo com a forma que você a tratar.

Aprenderam?”


Moral da História? “Aprenderam?”. Aprenderam o que cara pálida? É assim? Eu ensino e você aprende de modo literal? Respiro fundo e tentarei começar de novo, desta vez com mais calma.


O inicio do conto é interessante, imaginar quantos homens por motivos diferentes preocupados com o que as mulheres querem... Mas de que mulher nós estamos falando? É possível saber o que querem as – todas de uma vez – mulheres? Conheço mulheres que querem coisas completamente opostas a mim. Tratar mulher no plural seria querer achar algo como uma universalização e generalização do feminino. Isto faz parte de um paradigma científico em que o olhar racional e conceitual por si só bastam. Buscar conceitos que expliquem e universalizem as questões, como se isso resolvesse tudo. Vivemos num momento em que há uma super valorização da racionalidade e é com ela que se busca saber. Um saber que quer ter controle. Atualmente há um enorme esforço para controlar a natureza de todas as formas possíveis. Imagino que seja bem desagradável para um sujeito moderno – inclui homens e mulheres – não conseguir mostrar conhecimento sobre algum aspecto da vida. Então desenvolvem argumentos de sabedores, mesmo que estes deságüem no vazio. Obviamente o conceito não é o mal em si, muito pelo contrário precisamos deles, precisamos fazer os exercícios de achar conceitos, porém um conceito vivo que possa mudar de tempos em tempo, possa se ajustar as novas realidades e necessidade e não se transformar numa moral. O conceito em si não é o problema, a questão parece se tornar problemática quando o conceito é tornado território. Como se fosse confundido mapa e território. O território é vivo e vivenciado, o mapa é estático, bidimensional e um útil instrumento para descobrirmos as delicias e os mistérios do território.


Pessoas que confundem conceito com o próprio território, ou que usam o conceito como tudo que há e como forma de parecer ter controle podem dizer: -- Vejam, eu sei! Ou – Vejam, eu ainda não sei, mas eu me preocupo em saber, sou uma pessoa antenada com a modernidade. Será? Controlar e conceituar significam estar conectado com algo? Acredito mais que a conexão seja construída numa relação “com” e não numa dissecação de algo, mesmo abstrato. No enredo da historia finalmente os homens reconhecem o quanto a(s) mulhere(s) precisam de... blá blá blá... Creio ser importante fazer uma reflexão. Quantos homens querem decifrar os territórios que mais temem “as mulheres” ou a natureza não racional... Dentre alguns pensadores Freud tentou saber o que querem as mulheres e não conseguiu. Tiro o meu chapéu caso ele tenha desistido universalizar o não universalizavel. Numa das últimas entrevistas que ele deu para um jornal declarou que se sentia feliz por ter a companhia da esposa. Será que ele descobriu o que a esposa desejava? Lacan parece ter genialmente achado uma resposta, ele disse que a mulher não existe. Entendo que ele quis dizer que mulher não existe como o significante da identidade feminina porque ela não pode ser conceituada. O que isto significa? Falar muitas palavras para continuar dizendo que toda mulher é indecifrável e, portanto, inexistente como conceito. O medo do feminino numa sociedade ainda pautada no patriarcado faz com que homens escrevam sobre as mulheres e as vezes munidos de uma propriedade fantástica de convencimento. Falam com enorme coerência e não me dizem nada. Melhor assim porque quando dizem num tom de enquadramento fico ainda mais irritada.


Na história Arthur ele é ameaçado de morte, e por isso, precisa resolver uma questão crucial. Saber o que querem as mulheres. No prazo de um ano ele deve ter a resposta ou morrerá. Ao voltar perguntou a todos que pôde, homens e mulheres e ninguém deu uma resposta convincente para ele. Claro! Na minha opinião isto não é pergunta que se faça. Ele perguntou a diversos tipos desde prostitutas a rainhas e princesas e não funcionou. Por quê? Não estava em jogo a relação, e sim, uma tentativa desesperada de achar o conceito adequado que salvasse sua vida. Conhecer a natureza por medo da extinção. Será que é isso que está acontecendo com a modernidade quando a humanidade se depara com as ameaças e as tragédias que a natureza começa a produzir? Efeito estufa, escassez de... Tempo desequilibrado... Temos que achar um conceito rápido para tudo isso que nos salve da morte e da extinção? O que deve ser aprendido realmente? Ainda estamos muito longe de descobrir o que é uma relação. Ainda há léguas de distância para se alcançar a forma de se relacionar com mundo. Todos os seres devem ser tratados como sujeito e não com algo que pode ser usado e eliminado. Reciclagem passa a ser a palavra de ordem dos mais antenados, ainda que algo, além disso, precise ser apreendido. Quando se trata de aprendizagem significa que o racional está incluído e também o além. Está incluída questões coletivas e culturais; intuitivas e sensoriais e, ainda, relacionais na sua forma mais profunda. Aprender com todos os corpos que temos, com todas as faces que usamos e com as que ainda não descobrimos. Apreender em diversos níveis. Isto jamais pode ser apreendido em livros, mesmo que estes possam ajudar muito. Mas há muito mais a ser apreendido, esta busca desesperada de Arthur para preservar a própria vida ainda parece longe, pois ele busca de modo racional tocar um paradigma feminino e não racional. Sendo assim não há respostas que o satisfaçam. E ao final a única que pode ajudá-lo é o “pior” das mulheres, pois tem cara e jeito de bruxa...


Nenhuma resposta foi convincente para o nosso rei... Arthur estava cada vez mais desesperado e como ultimissimo recurso restou a ele perguntar para a velha bruxa. Será que o racional resiste até o último momento até se render, e só se rende quando o tempo de vida é o que está em jogo? Se uma bruxa tão horrenda era sua última chance de viver então podemos imaginar uma feiúra para a estética racional não é uma feiúra em si mesma, pois este “feio” é a única que sabe o que ninguém mais sabe. Mas o preço? Muito caro! Caro em dois sentidos, no sentido de presença, estar perto de bruxa era quase insuportável e também porque ela pedia em troca itens difíceis de conseguir. Lembramos que era a própria vida de Arthur que estava em jogo, quando é a vida que está em jogo paga-se qualquer preço... O preço que parece caro foi o último recurso a ser utilizado pelo rei. Quem quer se aproximar de uma bruxa feia e fétida? Imaginei que a bruxa poderia representar a figura que ainda mantém laços de relação com a natureza mais inteira e selvagem. Algo que a maioria das pessoas perdem quando se adaptam perfeitamente a cultura. Só uma mulher alijada ou que escolhe estar entre mundos da cultura e natureza, estranha e esquisita aparentemente desconectada da mente racional e conceitualista pode ajudar. Somente ela pode olhar para si, para dentro e dizer algo sobre o desejo. Arthur vai até a bruxa e pede uma resposta para a pergunta: O que quer uma mulher? No entanto ela responde a ele no mesmo instante, sua resposta é o pedido. Arthur não compreendeu o pedido como resposta e imaginou que o preço da bruxa era casar com seu grande amigo, Gawain. A resposta dela singulariza sua personalidade, demonstra seu desejo e é a forma dela fazer sua conquista. O desejo dela era este e ela faria tudo por isso, mas Arthur não compreendeu e horrorizado com tudo que viu na bruxa foi pedir ao amigo o sacrifício do casamento. Se sacrificar por um amigo é amar? Amar o amigo, amar o homem, casar com uma bruxa por um amigo... Imagina como Arthur se sentirá eternamente devedor. Homens devendo a homens, dívidas intelectuais... Quer dizer o homem não casa com a tal da bruxa por desejo e sim por amizade a Arthur. Dívida de amizade e dívida de amor fraternal.


Primeiro eu pensei, mas que bruxa idiota, casar com um cara que vai rejeitá-la para o resto da vida. Se eu fosse uma bruxa velha e desdentada com poderes mirabolantes faria isto? Quem sabe por carência e exercício do meu poder. Mas que situação? Poder para quê, se a vida vai ser miserável? Ou os planos da bruxa são outros? Estaria ela testando o amor dele? De qualquer modo existem fatos na história que podem ser considerados formas de amar. Qualquer que seja o amor, amor pelo amigo... Amor a uma causa... Gawain demonstra amor em todos os momentos, gentileza em todas as circunstâncias. Isto é amor! Se fosse um sacrifício casar-se com a bruxa, então ele seria um homem que não ama de verdade. Gawain não parece se sacrificar por Arthur, parece amar-lo, amar algo além. Imagino que a bruxa saiba exatamente o homem que escolheu e que ama, porém ela precisa testá-lo. Ela ganha o amado como pagamento, e se isso faz algum sentido a tal bruxa usou do paradigma racional para fazer sua conquista... Incrível, esta é poderosa! Desconfio que somente ela consiga ver a alma daquele homem a quem escolheu, perdido no meio do mundo masculino e dos conceitos de amizade e de beleza ainda num paradigma pobre e limitado. A horrenda bruxa vê através dos olhos do amor. Minha aposta é que a bruxa usa artifícios necessários e condizentes com o paradigma vigente para atrair seu amor. Ela é que é a sábia e que faz o jogo mais inteligente.


E a resposta conceitual veio: “As mulheres querem ser soberanas de suas próprias vidas.” Então o homem é quem deve dar a soberania às mulheres? Isto é soberania? Isto é nonseses, a bruxa engabelou Arthur e aos homens que querem belos conceitos. Todos os seres são soberanos quando estão seguindo o próprio fluxo e o próprio coração, ninguém precisa dar soberania a ninguém.

Me assombro ao pensar que a bruxa sabe amar tão profundamente. Ela aceita um sujeito cego da relação com o feminino como marido porque o ama. É ela quem vai ensiná-lo? Fiquei rindo com o casamento dos dois, parece que para ensiná-lo algo a bruxa deixou todo mundo horrorizado com seus trajes e modos. Gawain, porém continuou gentil e isto, creio, fez a bruxa diminuir suas malvadezas. E na noite de núpcias surpreende o marido se transformando numa lida jovem. A dama nem ta abominável assim o deixa desconcertado, quando pergunta se ele deseja que ela fique bela durante o dia ou se ele preferiria que ela ficasse bela durante a noite. Diz o conto que ele inicialmente pensou um pouco em, talvez, durante o dia tê-la bela e apresentar a linda esposa aos amigos ou se fosse melhor apreciar sua beleza durante a noite só para si. Primeiro eu pensei: desde o inicio o Gawain não estava realmente olhando para a bruxa como algo que desejava, ele não a amava, ele estava mais preocupado em ser cortez com o amigo. Sendo assim, qualquer resposta servira... Ele pode ter pensado o quanto todos sabiam que ele está numa enrascada para o resto da vida, então porque deixar Arthur menos culpado e apresentar a bela jovem como esposa. Será que ele queria deixar Arthur culpado para ter os benefícios da dívida? Ou na verdade ele não estava preocupado com nada, era um niilista sem fé e sem sonhos? Não tenho nenhuma resposta ao por que ele disse que ela que escolhesse mesma fizesse a escolha de quando ficaria bela. Suponho, entretanto, que a bruxa sabia quem amava e sabia do que ele precisava para tê-la de verdade. A bela Dama ensinou Gawain um novo olhar. A bruxa, na versão simplista nem tem nome de tão rejeitada que é pelo mundo, porém é quem sabe das coisas, sabe fazer suas escolhas e seus feitiços.


Com este texto fui descobrindo inúmeras possibilidades de reflexão. Obviamente que o exercício reflexivo é mais prazeroso do que saber efetivamente se eu alcancei a Grande Verdade, pois nem acredito nisso. Amanhã ou em um outro momento posso descobrir outros sentidos que me são importantes. A beleza também se encontra no próprio exercício reflexivo que cada pessoa pode fazer de tempos em tempos. A versão mais antiga me conforta, ela é aberta e sem uma moral massificante. O Título original é Sir Gawain e a Dama Abominável. Esta versão do século XV em que a tal bruxa tem nome no e é chamada também de Dona Ragnell ou Dama. A primeira descrição da Dona Ragnell tem poesia: “(...) Era uma visão inacreditável, a de tão horrenda criatura a cavalgar radiosa.” Descreve a feiúra de um modo radioso. Muito mais respeito, mesmo que o ser seja abominável para os olhos que não sabem ver. Nos versos finais não há moral da história. Aparece Gawain falando a Artur sobre sua esposa: "Vede! Eis meu prêmio, minha esposa", e continua: "Dona Ragnell, sir, é esta, Que vossa vida salvou". O amor salva? Ou o amor cria as encrencas transformadoras? Pergunto isso por que ao final descobrimos que a Dona Ragnell é irmã do sir Gromer, o monarca que mataria Arthur caso este lhe desse uma resposta errada. Aí a cobra mordeu o próprio rabo, tudo fechou e fez sentido. Será que a Dama abominável tramou tudo? Será que por amor ela inventou, persuadiu o irmão e fez entrecruzar caminhos? Quem sabe?





segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Quinteto Violado


Assisti à um ótimo espetáculo do Quinteto Violado e pude sentir uma espécie de volta às minhas raizes musicais nordestinas. Aos 37 anos de carreira, o Quinteto Violado põe a experiência acumulada no manejo da música nordestina em disco estritamente autoral.


Foi uma alegria estar ao lado Marcelo Melo (violão, viola e voz); minha vez de pedir autógrafo e homenagear esta grande figura da música nacional. Valorizo a qualidade músical e tudo o que fala ao meu coração!

No espetáculo pude rir, chorar e dançar - sentada mesmo - com todo o corpo, maravilhoso! Todo o show foi pontuado com a história de cada música do repertório e isto criou uma aura própria e uma percepção ampliada de cada música. Mais emoção impossível.