domingo, 21 de junho de 2009

Imagens de Guerrilha & Álbum de Figurinhas

Anna Hillman, ambientalista e fotógrafa, nos lembra que o encantamento da vida está na observação atenta a tudo... Anna registra em sua câmera o que chama de “imagens de Guerrilha”. Imagens que provocam o mundo pela sutileza, beleza e “silêncioque produzem quando ao olharmos sentimos nossa alma calar de encanto. Armada de um giz a nossa querida guerrilheira risca o chão da rua, interfere no espaço urbano, escreve bilhetes aos cidadãos desatentos e fotografa. Ela e fotografa o que teima em crescer, em ventar, em aparecer e em desaparecer diante de nossos olhos. Descobertas que muitas vezes estão nas esquinas das cidades, nos cantos das ruas e bem de baixo do nosso nariz, no cotidiano de nossa vida.



Coisas que todos podem fazer a sua própria moda no cotidiano... O cotidiano pode ser uma benção ou um martírio. Uma forma de viver ou uma forma de morrer e perder-se de si e da vida. Elisa Lucinda, artista e poeta, fala de seu fascínio pelo cotidiano e pela rotina. Segundo ela é na rotina que encontra sua fonte eterna de novidade. Elisa cuida da rotina como se fosse um brinquedo, ela vê em cada cena do cotidiano um retrato, uma figurinha para preencher seu álbum da vida – cada cena é uma carta. Lucinda pensa que as coisas sérias da vida são nossos brinquedos de gente grande. Para ela, brincar é um ensaio e um exercício de possibilidades. Desta forma, a rotina pode exercer um enorme fascínio, pois para quem sabe ver poesia na rotina, esta é sempre inédita.

No cotidiano moram as novidades que, embora não sejam tão vistosas, nem por isso são menos novidades ou fascinantes. As sutis novidades vêm de tantos campos, um olhar, um brilho de luz, uma sombra, um encontro, um desencontro, nossa emoção que segundo ela pode nos oferecer sentimentos que “apertam o peito e coçam a razão”. Para Elisa Lucinda a vida é uma obra aberta e nós somos os sujeitos da história e os verdadeiros autores de nossa rotina. Afirma: “Terei feito da minha vida o que fiz da minha rotina”, pois na rotina podemos tirar a roupa do óbvio, por os olhos na dramaturgia que há de baixo das coisas, cuja rota obedece meu desejo.

Os sonhos de realização de cada pessoa só se tornam possível no cotidiano, e este cotidiano pode ser comparado a um álbum figurinhas. Quem não tem experiências tornadas em poesia não tem figurinha nenhuma para oferecer, e por isso brinca menos. Quem não registra as cenas inéditas do seu cotidiano em formas de poesia deixa de exercer o papel de protagonista consciente. Deixa de fazer o exercício de se construir e criar diariamente, por isso pode deixar de viver em estado de poesia e assim pode acabar por se esquecer qual é o lugar de sua humanidade. Lucinda diz que podemos criar as cenas dentro dos nossos desejos, pois estes também se fazem necessários para o jogo do outro, para o álbum-caderno do outro.

Lucinda nos oferece as pérolas de uma arte singular, a arte do cotidiano. Será que existe ação mais reacionária e iconoclasta do que ser artista do seu próprio cotidiano? Obviamente que as lutas sociais por democracia, por diálogos com todos, por construir novas realidades sociais devem estar atrelados à construção poética do seu cotidiano. Construir a si mesmo em poesia é o que de mais subversivo pode existir; fazer do riso uma arma é sair do lugar das batalhas sangrentas pelo poder e achar um novo poder, o poder de se reinventa a partir do simples, do cotidiano e da poesia. As faltas também participam da cena dramática, também são poesias que nos constroem e nos fazem refletir. Elisa Lucinda faz dos seus talentos de apreciar o cotidiano e produzir poesia uma obra-de-arte-de-si e, desta forma, produz obras de arte para o mundo.

Estas duas mulheres produzem, com seus olhares de poeta e suas ações cotidianas, uma guerrilhas no próprio destino e “coçam o mundocom suas figurinhas vitais. Elas nos oferecem as imagens produtoras de uma arte singular. Os “espetáculosditados pelos holofotes midiáticos não necessariamente passam pelo coração das pessoas ou por uma apreciação do cotidiano. Creio que podemos dizer que Anna e Elisa se tornam referência para o mundo contemporâneo, por suas ações. Elas conseguem extrair vitalidade do seu cotidiano e produzir "consciência" pessoal e social com as diversas imagens que o mundo oferece e que elas retornam para o mundo em forma de ações, arte e poesia.




terça-feira, 16 de junho de 2009

A festa da menina morta


O filme brasileiro "A festa da menina morta", de Matheus Nachtergaele, ganhou um merecidissímo prêmio de melhor filme latino-americano no 27º Festival Internacional de Cinema do Uruguai. Em minha opinião, este filme brasileiro é completamente espetacular. Ouvi dizer que muitas pessoas saem do cinema reclamando. Devem reclamar, pois a mente está com preguiça de pensar e refletir. Só pode. Após assisti-lo, pessoas mais reflexivas começam a fazer mil associações e mil questionamentos. As misturas do contemporâneo com o interior tradicional. Questões sobre surgimento de tradições e possibilidades expressivas. Questões sobre alucinação, dor, sabedoria, histeria... Impossível conseguir anotar todas as possibilidades, portas e janelas, que o filme abre. Diria que realmente trata-se de arte, um filme que faz fluir o pensamento, a imaginação e as reflexões. Recomendação: melhor assistir acompanhado de pessoa(s) interessante(s) e interessada(s) em vasculhar as inúmeras possibilidades das imagens, das emoções e das questões contemporâneas que o filme mostra. A Atuação do atores, como Daniel de Oliveira e Jackson Antunes dentre outros, também estão espetáculares.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Alquimia nos Jardins



O Inglês Richard Reynold pratica a “guerrilha de jardins”, ou melhor, pratica jardinagem como forma de guerrilha verde. Reynold adota espaços urbanos negligenciados, as “terras órfãs”, e nela planta flores e frutos; ele também faz a manutenção destes lugares até que se tornem belos jardins. Esta ação é um exemplo, Richard usa seus próprios talentos para produzir o mundo e no mundo! Este jardineiro-guerrilheiro acredita que a própria sociedade pode produzir muitas de suas soluções... Esta não é uma forma anarquista, uma não aceitação ou oposição aos modos sociais; esta ação "isolada", e por si só, é produtora de subjetividade e bem estar coletivo. Também pode ser considerada um exemplo de como se expressar prazerosamente e, ao mesmo tempo, criar no mundo e para a comunidade.


O arquiteto holandês Rem Koolhaas, um dos mais famosos urbanistas contemporâneos, sugere irrigar a cidade com territórios potenciais, instaurar campos que favoreçam processos abertos de intensificações e diversificações, as redistribuições; e que se aposte na reinvenção do espaço psicológico. Fazer a cidade se tornar um vetor da imaginação, imaginar mil e um outros tipos de cidades, irresponsavelmente...

Diga Clarice!!!

"O que atrapalha no escrever é ter que usar palavras"; "Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu"; "Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar a enorme surpresa com a pobreza da coisa dita." Clarice Lispector

"... A palavra não consegue dizer o que estou percebendo nas coisas. E, se eu não disser, não vai ser o que estou percebendo. O que eu digo é menos do que queria te dizer. Mas eu não desisto de dizer o que não consegue ser dito" Ferreira Gullar fala sobre Clarice Lispector.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Palavra (En)cantada


Palavra (En) cantada, é um documentário de Helena Solberg que faz uma viagem pela história sonora, atinge inicialmente os poetas provençais e chega às raias do rap. Seu grande recheio é a canção brasileira, as palavras brasileiras, misturadas, hibridas e de uma riqueza ímpar. No filme desfrutamos reflexões sobre os sons e através dos sons que atingem diretamente nossa alma. O documentário costura a relação entre os limites da poesia escrita e a da poesia musicada. Os depoimentos de músicos consagrados como Lenine, Chico Buarque, Adriana Calcanhoto, dentre outros é um mini espetáculo de alta qualidade e sensibilidade em si. "Palavra (En) cantada” é mais do que um documentário, mais do que um filme é um abridor da sensibilidade e da reflexão humana, é uma arte em si. Toca numa essência humana quando fala de poesia de modo não acadêmico e sim vital.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Valsa com Bashir


O filme se compõe de memórias fragmentadas de um ex-soldado de Israel, que lutou contra o Líbano em 1982. Aos poucos conversando com amigos as memórias foram surgindo e se organizando, memória da tragédia que tinha apagado de sua mente... O ex-soldado viu de perto o que de fato foi o massacre de palestinos em Sabra e Shatila, durante o conflito. Em vez de transformar sua experiência em mágoa, revolta, ou livro, o diretor Ari Folman preferiu transformar em um filme. Melhor. Em um documentário. Melhor ainda, em um documentário animado. Além de todo o espetáculo que o filme mostra, espetáculo do humano que narra... Que constrói memórias e reflete... Fala da tragédia e da própria tragédia de esquecer para sobreviver e de lembrar para elaborar... Parece que o autor vai deixando pérolas pelo caminho... Refletir sobre o filme pode ser uma aventura a parte. Para mim o âmago de tudo está na cena que ilustra o próprio título: Valsa com Bashir. O corpo que quer valsar, dançar, ser visto e admirado por sua expressão, porém só encontra a intensidade da guerra para isso. Uma beleza trágica que nos faz lembrar que somos corpos que poeticamente querem dançar e não fazer guerra.

sábado, 16 de maio de 2009

Filme: SINÉDOQUE, NOVA YORK


Neste filme de Charlie Kaufman a figura central é o dramaturgo Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman), cujo processo criativo implica a própria vida na obra de arte. Diferente de artistas que abstraem e transformam linguagens, Cotard o faz literalmente. O que era uma maneira de dizer passa, na figuração, a sê-lo de modo concreto. Eu me pergunto, quem não faz como Caden, é literal sem perceber? Quem não vive seus próprios personagens nos outros sem perceber? Todos estão sempre em si e não percebem a própria ficção. O filme parece que diz não sonhe, não imagine, você só vai envelhecer e morrer literalmente. Por outro lado afirma o sonho como condição humana. Viva sua ficção sabendo que tudo é irreal.