sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Minoria e maioria

Por Walter Hupsel . 05.08.10

Alguns temas são de tamanha importância que merecem dedicação perene e atenção redobrada. Normalmente perpassam ciências e objetos, podendo ser enxergados nas mais diversas manifestações sociais. O tema das minorias é um deles. Em uma síntese extrema, e apenas para efeito de análise, existem dois meios de se observar uma sociedade: como um todo, um ser orgânico em si mesmo; ou a partir das clivagens, das diferenças, dos atores que se movem em sentidos contraditórios, como fragmentos.

Na primeira corre-se o sério risco de cair na idéia totalizante que pode levar a um autoritarismo em nome da uma abstração social. É o que ocorre, por exemplo, quando lemos frases como “os interesses da nação brasileira” ou qualquer coisa do gênero. A outra opção é entender que não existe a tal “nação brasileira”, que esta não é nada além de uma soma infinita de vetores em eterna luta, que formam nação e valores sempre transitórios e efêmeros. Se é assim que procedemos, vemos que em cada assunto, cada clivagem, pode suscitar uma divisão entre maioria e minoria.

Longe do senso comum, estes conceitos não são matemáticos. Maioria não indica necessariamente uma predominância numérica. A isso se chama de moda. Maioria indica uma constante, uma certa supremacia no acesso aos recursos de poder, de dominação, que se torna um padrão.

A minoria, obviamente, pode até ser a maior parte, mas está alijada dos meios necessários para o poder, para a afirmação dos seus valores, para a isonomia, para a normalidade. Assim, não há nenhuma contradição em afirmar que as mulheres são uma minoria no Brasil.

Quando alguma coisa “sai do eixo”, a maioria – amorfa – se reúne novamente e luta para manter seus privilégios, e manter o status quo, qual seja, a sua dominação sobre as minorias. Assim, quando vemos Nicolas Sarkozy, presidente francês, defender que seja cassada a nacionalidade daqueles de origem estrangeira que cometerem crimes, ou a lei do estado do Arizona, nos EUA, que transforma a imigração ilegal em crime, ou a manifestação de universitários paulistas querendo preservar uma “cultura paulista”, podemos ter certeza que algo ameaçou o status de maioria desses grupos.

Não podemos achar que o migrante é a fonte do problema, a não ser que partamos da idéia de uma essência imanente ao migrante, numa categoria de totalidade, orgânica, da qual falei no início da coluna. Os marroquinos ou argelinos são mais suscetíveis ao crime? Os mexicanos são, naturalmente, menos afeitos a seguir as normas? Os nordestinos ameaçam a integridade da cultura paulistana? Claro que não. O foco desses discursos é… mudar o foco!!! Em vez de assumirem a uma parte da culpa por não terem conseguido um modo eficaz de integrar, de absorver essas minorias, invertem o jogo e partem para a agressão.

Assim, estrategicamente, está criado o boneco-de-palha, o alvo para o qual as atenções devem se voltar, o novo monstro, a nova aberração, a nova ameaça. Mas… ameaça ao que? Aos nossos “reais e verdadeiros valores”. E quais são?

Impossível dizer, nem eles sabem, pois esse valores não existem. Chega a ser irônico perceber que os grupos neonazistas que acusam os imigrantes de deturpar os valores nacionais, são consumidores ávidos não de um kassler, mas de fast foods; consumidores de rock, ska, e não de musicas tradicionais; usam coturnos ingleses e não as bermudinhas tirolesas de feltro verde. Do lado de cá, adoram pizzas e shopping centers e comem feijoada, esta instituição tipicamente paulistana.

É curioso que tenha havido um recrudescimento dessas atitudes, dessa mal disfarçada xenofobia, quando, justamente, nos prometeram integração, interdependência, o que Bush pai, em 1991, chamou de “a new world order”, com “princípios de justiça (…) proteção do fraco contra o forte, (…) um mundo de paz e de respeito aos direitos humanos”.

A utopia não se realizou. Resta investigarmos o porquê!

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