sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A redução da condição humana a um único diagnóstico seria pelo “lucro-a-todo-custo” ?



Por Dr. Alessandro Loiola
http://colunistas.yahoo.net/posts/4476.html

Onde ela se escondeu?
Vez ou outra, sou pego de surpresa pela estranha semelhança da medicina com outros nichos produtivos da economia. Por exemplo, a indústria automobilística. Periodicamente, os Congressos Médicos, assim como os Salões do Automóvel, lançam doenças de última geração seguidas de remédios idem.

Lamentavelmente, nem sempre este casamento funciona a contento – vide escândalos envolvendo alguns antiinflamatórios e vacinas contra rotavírus. Outro exemplo de similaridade: o setor de serviços. Os administradores passaram a denominar “otimização do tempo” o processo de mandar o funcionário fazer tudo simultaneamente, e “motivação” a técnica para arrancar o couro do sujeito, fazendo-o sentir-se culpado caso não esteja feliz com a situação – antigamente, tudo isso se chamava apenas “exploração” mesmo.

Fashion
Na medicina, alguns especialistas também se dedicam a batizar velhos problemas com novos nomes, tentando reduzir toda a complexidade da condição humana a um único diagnóstico. Mais uma possível maravilha deste mundo fashion reducionista foi publicada no prestigiado jornal médico The Lancet. No artigo, os Drs. Prins, Van Der Meer e Bleijenberg, da Holanda, chamam atenção para a Síndrome da Fadiga Crônica, ou SFC.

A SFC se caracteriza por fadiga com persistência de pelo menos seis meses, não relacionada à doença orgânica ou esforços contínuos, que não diminui com o repouso e associada à redução das atividades diárias, prejuízo da memória ou da capacidade de concentração, dores de cabeça, musculares ou articulares, e mal-estar após os exercícios.

Mulheres
A duração média dos sintomas varia de 3 a 9 anos. Segundo os autores, a incidência da SFC vem aumentando nas últimas duas décadas, principalmente em mulheres entre os 29 e 35 anos de idade (elas respondem por 75% dos casos).

Apesar da ainda não se saber o que exatamente causa a SFC, parece que o estresse tem uma participação importante. Além disso, os sintomas podem ser perpetuados por fatores psicológicos e sociais.

Por exemplo: o aumento nos níveis de ansiedade e a falta de apoio social (ex.: pessoas com poucos amigos) contribuem para intensificar o quadro. Felizmente, a psicoterapia é capaz de solucionar mais de 70% dos casos, afirmam os médicos holandeses.

Meu incômodo foi observar que, juntamente com a popularização do diagnóstico de Síndrome da Fadiga Crônica (saliente-se: uma “doença” de manifestações vagas, causa indeterminada e tratamento inespecífico), está tendo início toda uma cadeia de eventos, notícias, encontros, seminários, palestras, liberação de verbas para pesquisa, e (principalmente) desenvolvimento de material educacional para tudo que for relacionado a SFC.

A justificativa – politicamente correta e muito válida, por sinal – é a necessidade de “construção do conhecimento”. Presenciar mais uma vez este fenômeno quase mercantilista leva à inevitável pergunta: onde termina a ciência pura e começa o simples comércio na medicina do século XXI?

Mercenários
Estamos atravessando tempos perigosos, onde um paciente corre o risco de ser visto apenas como a soma de seus sintomas elevada à potência do seu poder de compra, um consumidor esperando ser seduzido por campanhas publicitárias abordando doenças da moda, e não como um organismo vivo, complexo e repleto de idéias e vontades.

Nada contra o comércio ou o progresso da medicina, mas, quando lidamos com saúde, é preciso ter muito bem traçada a linha que divide o “lucro-a-todo-custo” do benefício honesto de quem ainda confia na ciência. É aquela velha história: um ser humano ainda é o melhor remédio para outro ser humano – pelo menos, até a hora em que a ganância nos transforma em nosso pior veneno.

Prevenção e canja
O diagnóstico de Síndrome da Fadiga Crônica e o emprego dos avanços científicos de um modo em geral devem sempre obedecer ao Princípio Universal da Cautela. Prevenção e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Não procure doenças e remédios de última geração como se fossem botes salva-vidas capazes de lhe salvar de todas as suas angústias. Ao invés, busque auto-conhecimento, equilíbrio e harmonia. É aí que a verdadeira saúde se esconde.

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